A auto-flagelação em crianças e a Terapia Cognitivo-Comportamental

 A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma das primeiras formas de psicoterapia que tem demonstrado eficácia em pesquisas cientificas rigorosas e também uma das primeiras a dar atenção ao impacto do pensamento sobre o afeto, o comportamento, a biologia e o ambiente. Atualmente é amplamente utilizada no transtorno da depressão, transtornos de ansiedade, transtornos psicossomáticos e alimentares. Mais recentemente, estratégias para lidar com problemas conjugais e transtornos de personalidade foram incluídas.

Acredita-se que a avaliação cognitiva dos eventos afeta as respostas a estes eventos e a partir daí, foram desenvolvidas técnicas capazes de monitorar, tornar acessível e alterar esta atividade cognitiva. Uma das proposições fundamentais da Terapia Cognitiva é de que, com este conhecimento, as mudanças desejadas podem ser obtidas por um método alternativo que focalize e priorize as mudanças cognitivas.

cisneO modelo cognitivo entende que há uma intermediação dos pensamentos entre o mundo e o modo como as pessoas se sentem e como se comportam. Não são os eventos realmente, mas as percepções que se tem deles que resultam em mudanças emocionais. É o significado dado ao evento que melhor explica a reação emocional.

A Terapia Cognitiva, portanto, tem o pensamento como ponto chave para a intervenção e presta grande ênfase às experiências internas do cliente. O comportamento e afeto do indivíduo são largamente determinados pelo modo como ele estrutura o mundo, como olha para as coisas e como as interpreta (Shinohara, 1997).

As estruturas cognitivas possuem níveis de organização, onde na superfície, com acesso mais imediato, encontram-se os pensamentos automáticos (idéias, crenças e imagens específicas à determinada situação), que percorrem a mente sem o mínimo esforço deliberado. A importância do conhecimento dos conteúdos deste nível está na possibilidade que se abre para podermos descobrir as suposições transsituacionais subjacentes e os respectivos esquemas centrais do sujeito. Os esquemas constituem a base para a codificação, categorização e avaliação das experiências ao longo da vida. Estes esquemas são crenças básicas, inflexíveis e incondicionais que os indivíduos abstraem das especificidades dos acontecimentos. Servem como lentes que filtram o mundo e registram significados.

Atos de autoflagelação são comportamentos que se manifestam como um tipo de reação à situações de estresse e ansiedade. A incapacidade de controlar sentimentos como raiva, fúria, fazem com que o indivíduo  aja de maneira impulsiva e violenta contra si mesmo, através do uso de drogas, de comportamentos autopunitivos (muito comuns, por exemplo, nos transtornos alimentares) e da autoagressão (tentativas de suicídio e atos de automutilação, são exemplos de comportamentos ocasionados pela falta de controle da impulsividade).

Segundo o psiquiatra Dr. Flavio Gikovate, a autoflagelação também pode ser uma tentativa de chamar a atenção através da “pirraça”, muito comum em crianças pequenas quando não tem seus desejos atendidos. Pode se manifestar de diversas formas, como através da negação de comer. Neste caso, a criança está punindo a si própria, na medida em que opta por não se alimentar mesmo sentindo fome, mas insiste em manter o comportamento para ter alguma vontade satisfeita por parte dos pais ou de quem quer que a tenha negado algo. Os sentimentos de culpa e pena ocasionados por tal ato fazem com que o cuidador ceda à vontade da criança, a fim de cessar o comportamento autopunitivo. Desta forma, o comportamento é reforçado e será sempre utilizado como estratégia para o sujeito conseguir o que deseja do outro ou alcançar determinado benefício.

Skinner explica a situação citada acima como fruto do aprendizado através da modelagem, no qual os agentes reforçadores possuem papel fundamental no comportamento de todo ser humano. Neste caso, pais, cuidadores e educadores são os principais responsáveis pelo desenvolvimento de determinados comportamentos aprendidos nas situações cotidianas e desenvolvidos ao longo da vida e habilidades das crianças. Desta forma, as relações estabelecidas com o meio ambiente promoverão todas as aprendizagens do sujeito e moldarão seus comportamentos futuros.

A autoflagelação também pode ser um comportamento aprendido, pela criança, na relação com seus cuidadores, através de modelação. Ou seja, pela observação e imitação, o indivíduo aprende a se comportar de determinada maneira. Se uma criança presencia situações de agressão entre seus pais como forma de resolução de conflitos entre o casal, poderá se comportar de forma agressiva quando estiver também em uma situação de conflito. A ação agressiva dos cuidadores, neste caso, modela a ação de agredir o próximo ao ser contrariado ou de auto agredir-se.  Exemplo: uma criança que sempre observa a mãe se auto retaliar em episódios de estresse, crises de depressão e ansiedade, poderá agir da mesma forma quando estiver se sentindo triste ou com raiva.

O tratamento dos comportamentos de auto-flagelação deve ocorrer num ambiente terapêutico propício ao desenvolvimento de uma relação de confiança e acolhimento entre a criança e seu terapeuta. É fundamental que o paciente se sinta confortável e seguro para expressar seus sentimentos através de atividades lúdicas (desenhos da dinâmica familiar, do lar e da escola, brincadeiras com fantoches, bonecos, etc), podendo assim buscar estratégias para lidar com situações estressantes que desencadeiam sentimentos de ansiedade e raiva e consequentemente, comportamentos auto-punitivos. Exemplo: Muitas crianças se sentem abandonadas quando os pais saem para trabalhar e passam o dia inteiro fora de casa. A crença de estar sendo abandonado ou rejeitado promove o sentimento de raiva. Consequentemente, este sentimento pode gerar um comportamento auto-agressivo, ocasionado pela impulsividade momentânea e incapacidade da criança em lidar com a rejeição. Através da Terapia Cognitivo-Comportamental, o paciente aprenderá a re-significar o evento estressor e poderá buscar maneiras mais funcionais de compreender os fatos. Neste caso, a compreensão de que papai e mamãe precisam trabalhar para ganhar dinheiro e sustentar a casa, poderá fazer com que a criança compreenda que não foi abandonada e nem rejeitada. Assim, encontrará novas estratégias para lidar com a ansiedade gerada pela falta que sente dos pais ao longo do dia.

É essencial que a família e os cuidadores do paciente também participem do tratamento, para que possíveis fatores reforçadores do comportamento auto-agressivo sejam identificados durante as sessões e extintos, bem como situações disfuncionais da dinâmica familiar (comportamentos agressivos, por exemplo, entre o casal) que estejam influenciando a manifestação dos sintomas. O terapeuta também irá ajudar a família à buscar novas estratégias para lidar com possíveis chantagens emocionais, pirraças e estratégias disfuncionais utilizadas pelas crianças para alcançar seus objetivos.

Por: Carolina de Paiva Pessôa Loureiro

Psicóloga (CRP: 05/43440)