COMPORTAMENTO

Psicoterapeuta fala sobre as motivações por trás do autoflagelo

"Há a transferência da angústia psicológica para a dor física"


 

Por: Adaíra Sene

Publicado em: 23/03/2015 17:03 Atualizado em: 23/03/2015 18:04

Mais do que chamar a atenção, o autoflagelo é um pedido de socorro. As feridas são dolorosos sinais em vermelho de que algo não vai bem. Antigamente, acreditava-se que era motivado apenas por rituais religiosos. Hoje, para a medicina, o transtorno esconde histórico familiar complexo e até mesmo predisposição genética. Os principais casos são registrados até os 24 anos. Apesar da incidência ser maior entre mulheres, homens também se mutilam. E, por desconhecimento, muitas famílias não enxergam os indícios. Para compreender melhor o transtorno, o Diario ouviu Betinha Fernandes, psicoterapeuta e pediatra especialista em hebiatria, área que estuda a saúde dos adolescentes.

 

Por que as pessoas se autoflagelam?

Antes de qualquer coisa, é preciso ter em mente que cada caso é um caso. Os quadros psíquicos não têm causa única. Tudo que sai do comum tende a ser considerado assustador, mas é preciso abrir os olhos para o que está acontecendo. Muitos pais pensam que os filhos se cortam para chamar a atenção, mesmo argumento que era utilizado para justificar tentativas de suicídio, mas minha leitura é diferente. Nesses casos, a dor emocional é tão grande que precisa ser esvaziada de alguma forma. É como um recipiente muito cheio que você tem que abrir a tampa para a água escoar. Metaforicamente, é isso que acontece. Há a transferência da angústia psicológica para a dor física. Tanto que muitas pacientes dizem sentir alívio imediato após a automutilação. É uma forma dessas pessoas mostrarem o que sentem. É como se elas dissessem: "Estou sofrendo, preciso de ajuda". Uma via de comunicação muito sofrida e que cria dependência.

Por que atinge, na maioria dos casos, os adolescentes?

Eles têm uma tendência natural de repetir o comportamento do grupo e ainda não estão com a personalidade formada. Muitas vezes, veem um colega fazer e acham que deve funcionar para eles. Quando um assume um comportamento diferente, tende a viralizar, e a globalização permite que isso seja divulgado. Na internet, há sites que ensinam o comportamento anoréxico, bulímico e até a como se suicidar. Nesta fase, não consideramos a automutilação como patologia, mas transtorno. Adolescentes são muito plásticos. Tem quem se corte uma vez e pare. Aqueles que se cortam apenas por um período. E tem os que se tornam dependentes. Se não houver tratamento, o quadro pode evoluir. Comportamentos parecidos são percebidos em pacientes que sofrem de bipolaridade e outras patologias. Além disso, quando não há mais alívio nos cortes, eles podem procurar outros métodos para se matar.

Quais são os sintomas da automutilação?

Essas pessoas costumam usar manga comprida mesmo no calor para esconder as marcas. Geralmente, abusam de substâncias químicas, seja álcool ou drogas. Também estão inseridas em um contexto familiar desgastado, tendem a se isolar e andar com grupos marginalizados. Há perda do interesse nas atividades, queda do rendimento escolar ou abandono dos estudos e agressividade. A depressão na adolescência é diferente da sofrida por adultos. Eles se expõem aos riscos. Mas é importante ressaltar que ter esses sintomas não significa que uma pessoa se mutile. Não significa nem que possuem um transtorno, de fato. Eles apenas revelam que algo não vai bem e precisa de atenção.

Um caso de automutilação foi registrado dentro de uma escola da Bomba do Hemetério. Como as instituições devem proceder diante de casos assim?


É essencial a integração do sistema educacional com o de saúde. É preciso que os professores se atualizem e tenham um olhar diferente sobre esses casos. Se as meninas estão se mutilando no banheiro, é preciso fazer uma intervenção. Temos que levar a discussão para a sala de aula e mostrar como encontrar ajuda. Parar de esconder. Os estudantes sabem o que está acontecendo, podem não compreender, mas sabem.

O que fazer ao perceber que seu filho ou amigo está se automutilando?

Primeiro, é preciso que os pais acreditem. É muito mais fácil minimizar os fatos do que tomar uma atitude e admitir que algo está errado. A base é procurar ajuda profissional. Ele vai interpretar e avaliar o caso. Com o tempo de terapia, os pacientes aprendem que os sentimentos ruins sempre vão aparecer, mas é preciso saber lidar com eles.