Mais do que chamar a atenção, o autoflagelo é um pedido de socorro.
As feridas são dolorosos sinais em vermelho de que algo não vai bem.
Antigamente, acreditava-se que era motivado apenas por rituais
religiosos. Hoje, para a medicina, o transtorno esconde histórico
familiar complexo e até mesmo predisposição genética. Os principais
casos são registrados até os 24 anos. Apesar da incidência ser maior
entre mulheres, homens também se mutilam. E, por desconhecimento,
muitas famílias não enxergam os indícios. Para compreender melhor o
transtorno, o Diario ouviu
Betinha Fernandes, psicoterapeuta e pediatra especialista em
hebiatria, área que estuda a saúde dos adolescentes.
Por que as pessoas se autoflagelam?
Antes de qualquer coisa, é preciso ter em mente que cada caso é um
caso. Os quadros psíquicos não têm causa única. Tudo que sai do
comum tende a ser considerado assustador, mas é preciso abrir os
olhos para o que está acontecendo. Muitos pais pensam que os filhos
se cortam para chamar a atenção, mesmo argumento que era utilizado
para justificar tentativas de suicídio, mas minha leitura é
diferente. Nesses casos, a dor emocional é tão grande que precisa
ser esvaziada de alguma forma. É como um recipiente muito cheio que
você tem que abrir a tampa para a água escoar. Metaforicamente, é
isso que acontece. Há a transferência da angústia psicológica para a
dor física. Tanto que muitas pacientes dizem sentir alívio imediato
após a automutilação. É uma forma dessas pessoas mostrarem o que
sentem. É como se elas dissessem: "Estou sofrendo, preciso de
ajuda". Uma via de comunicação muito sofrida e que cria dependência.
Por que atinge, na maioria dos casos, os adolescentes?
Eles têm uma tendência natural de repetir o comportamento do grupo e
ainda não estão com a personalidade formada. Muitas vezes, veem um
colega fazer e acham que deve funcionar para eles. Quando um assume
um comportamento diferente, tende a viralizar, e a globalização
permite que isso seja divulgado. Na internet, há sites que ensinam o
comportamento anoréxico, bulímico e até a como se suicidar. Nesta
fase, não consideramos a automutilação como patologia, mas
transtorno. Adolescentes são muito plásticos. Tem quem se corte uma
vez e pare. Aqueles que se cortam apenas por um período. E tem os
que se tornam dependentes. Se não houver tratamento, o quadro pode
evoluir. Comportamentos parecidos são percebidos em pacientes que
sofrem de bipolaridade e outras patologias. Além disso, quando não
há mais alívio nos cortes, eles podem procurar outros métodos para
se matar.
Quais são os sintomas da automutilação?
Essas pessoas costumam usar manga comprida mesmo no calor para
esconder as marcas. Geralmente, abusam de substâncias químicas, seja
álcool ou drogas. Também estão inseridas em um contexto familiar
desgastado, tendem a se isolar e andar com grupos marginalizados. Há
perda do interesse nas atividades, queda do rendimento escolar ou
abandono dos estudos e agressividade. A depressão na adolescência é
diferente da sofrida por adultos. Eles se expõem aos riscos. Mas é
importante ressaltar que ter esses sintomas não significa que uma
pessoa se mutile. Não significa nem que possuem um transtorno, de
fato. Eles apenas revelam que algo não vai bem e precisa de atenção.
Um caso de automutilação foi registrado dentro de uma escola da
Bomba do Hemetério. Como as instituições devem proceder diante de
casos assim?
É essencial a integração do sistema educacional com o de saúde. É
preciso que os professores se atualizem e tenham um olhar diferente
sobre esses casos. Se as meninas estão se mutilando no banheiro, é
preciso fazer uma intervenção. Temos que levar a discussão para a
sala de aula e mostrar como encontrar ajuda. Parar de esconder. Os
estudantes sabem o que está acontecendo, podem não compreender, mas
sabem.
O que fazer ao perceber que seu filho ou amigo está se automutilando?
Primeiro, é preciso que os pais acreditem. É muito mais fácil
minimizar os fatos do que tomar uma atitude e admitir que algo está
errado. A base é procurar ajuda profissional. Ele vai interpretar e
avaliar o caso. Com o tempo de terapia, os pacientes aprendem que os
sentimentos ruins sempre vão aparecer, mas é preciso saber lidar com
eles.