Instruções para a saúde do Sr. Allan Kardec

23 DE ABRIL DE 1866

(Paris. Comunicação particular. Méd. sr. D...)


A saúde do Sr. Allan Kardec se enfraquecendo dia a dia, em conseqüência de trabalhos excessivos, aos quais não pode bastar, vejo-me na necessidade de lhe repetir de novo o que já lhe disse muitas vezes: Tendes necessidade de repouso; as forças humanas têm limites que o vosso desejo de ver progredir o ensinamento vos leva, freqüentemente, a transgredi-los; estais errado, porque, agindo assim, não apressareis a marcha da Doutrina, mas arruinareis a vossa saúde e vos colocais na impossibilidade material de acabar a tarefa que viestes cumprir nesse mundo. A vossa enfermidade atual não é senão o resultado de um dispêndio incessante de forças vitais que não deixa, à reparação, o tempo de se fazer, e de um aquecimento do sangue produzido pela falta absoluta de repouso. Nós vos sustentamos, sem dúvida, mas com a condição de que não desfaço o que nós fazemos. De que serve correr? Não vos foi dito muitas vezes que cada coisa virá a seu tempo, e que os Espíritos encarregados do movimento das idéias saberiam fazer surgir as circunstâncias favoráveis quando o momento de agir chegasse?

Quando cada espírita reúne as suas forças para a luta, pensais que seja do vosso dever esgotar as vossas? Não, em tudo deveis dar o exemplo e o vosso lugar estará em questão no momento do perigo. Que faríeis se o vosso corpo enfraquecido não permitisse mais ao vosso Espírito servir-se das armas que a experiência e a revelação vos colocaram nas mãos? – Crede-me, remetei para mais tarde as grandes obras destinadas a completar a obra esboçada nas vossas primeiras publicações; vossos trabalhos correntes, e algumas pequenas brochuras urgentes têm com que absorver o vosso tempo, e devem ser os únicos objetos de vossas preocupações atuais.

Não vos falo somente em meu nome, sou aqui o delegado de todos esses Espíritos que contribuíram tão poderosamente para a propagação do ensinamento, pelas suas sábias instruções. Eles vos dizem, por meu intermédio, que esse retardamento que pensais nocivo ao futuro da Doutrina, é uma medida necessária em mais de um ponto de vista, seja porque certas questões não estão ainda completamente elucidadas, seja para preparar os Espíritos para melhor assimilá-las. É necessário que outros tenham aplainado o terreno, que certas teorias tenham provado a sua insuficiência e feito um maior vazio. Em uma palavra, o momento não é oportuno; poupai-vos, pois, porque, quando chegar o vosso tempo, todo o vosso vigor, de corpo e de Espírito, vos será necessário. O Espiritismo foi, até aqui, o objeto de muitas diatribes, ele provocou muitas tempestades? Credes que todo movimento seja apaziguado, que todos os ódios sejam acalmados e reduzidos à impotência? Desenganai-vos, o cadinho depurador ainda não rejeitou todas as impurezas; o futuro vos guarda outras provas e as últimas crises não serão as menos penosas para suportar.

Sei que a vossa posição particular vos sucita uma multidão de trabalhos secundários que empregam a melhor parte de vosso tempo. Os pedidos de todas as espécies vos acabrunham e vos fazeis um dever satisfazê-los tanto quanto possível. Farei aqui o que, sem dúvida, não ousaríeis fazer, vós mesmo, e, dirigindo-me à generalidade dos Espíritas, pedir-lhes-ei, no interesse do próprio Espiritismo, vos poupar toda sobrecarga de trabalho de natureza a absorver os instantes que deveis consagrar quase exclusivamente ao acabamento da obra. Se a vossa correspondência nisso sofrer um pouco, o ensinamento aí ganhará.

Algumas vezes, é necessário sacrificar as satisfações particulares ao interesse geral. É uma medida urgente que todos os adeptos sinceros saberão compreender e aprovar.

A imensa correspondência que recebeis é para vós uma fonte preciosa de documentos e de ensinos; esclarece-vos sobre a marcha verdadeira e os progressos reais da Doutrina; é um termômetro imparcial; nela hauris, além disso, satisfações morais que, mais de uma vez, sustentaram a vossa coragem, vendo a adesão que as vossas idéias encontram em todos os pontos do globo; sob esse aspecto, a superabundância é um bem e não um inconveniente, mas com a condição de secundar os vossos trabalhos, e não de entravá-los, criando-vos um aumento de ocupações.

Doutor DEMEURE.

Bom senhor Demeure, eu vos agradeço pelos sábios conselhos. Graças à resolução que tomei de me fazer substituir, salvo os casos excepcionais, a correspondência corrente sofre pouco agora, e não sofrerá mais no futuro; mas, que fazer deste atraso de mais de quinhentas cartas que, apesar de toda a minha boa vontade, não pude chegar a colocar em dia?

Resp. – É preciso, como se diz em termo de comércio, passá-las em bloco para a conta de lucros e perdas. Anunciando essa medida na Revista, os vossos correspondentes terão a que se ligar; compreenderão a sua necessidade, e a acharão sobretudo justificada pelos conselhos precedentes. Eu o repito, seria impossível que as coisas caminhassem por muito tempo como está; todos a sofreriam, e a vossa saúde e a Doutrina. É preciso, há necessidade, de saber fazer os sacrifícios necessários. Tranqüilo, doravante, sobre esse ponto, podereis vagar mais livremente em vossos trabalhos obrigatórios. Eis o que vos aconselha aquele que será sempre vosso amigo devotado.

DEMEURE.

Aceitando esse sábio conselho, pedimos aos nossos correspondentes, com os quais estávamos há muito tempo em atraso, para aceitarem as nossas desculpas e os nossos lamentos por não ter podido responder com detalhes, e como teríamos desejado, às suas benevolentes cartas, e de bem quererem aceitar, coletivamente, a expressão dos nossos sentimentos fraternais.