Capítulo I
Pequena Conferência Espírita
Visitante – Certas pessoas consideram as idéias espíritas como de
natureza a perturbarem as faculdades mentais, e, por esse motivo, acham
prudente deter-lhes a divulgação.
A.K. – Conheceis o provérbio: quando se quer matar um cão, diz-se que
ele está raivoso. Não é, pois, de espantar, que os inimigos do
Espiritismo procurem se apoiar sobre todos os pretextos; este lhes
pareceu apropriado para despertar os temores e as suscetibilidades,
tomando-o zelosamente, embora ele caia diante do mais superficial exame.
Ouvi, pois, sobre esta loucura, o raciocínio de um louco.
Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar a loucura;
as ciências, as artes, e a própria religião fornecem seus contingentes.
A loucura tem por princípio um estado patológico do cérebro, instrumento
do pensamento: estando o instrumento danificado, o pensamento é
alterado. A loucura, pois, é um efeito consecutivo, cuja causa primeira
é uma predisposição orgânica que torna o cérebro mais, ou menos,
acessível a certas impressões; isso é tão verdadeiro que tendes as
pessoas que pensam demais e não se tornam loucas, enquanto que outras se
tornam sob o domínio da menor superexcitação. Havendo uma predisposição
à loucura, esta toma o caráter da preocupação principal, que se torna,
então, uma idéia fixa. Essa idéia fixa poderá ser a dos Espíritos,
naqueles que deles se ocupam, como poderá ser a de Deus, dos anjos, do
diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da
maternidade, de um sistema político ou social. É provável que o louco
religioso se tornasse um louco espírita, se o Espiritismo tivesse sido
sua preocupação dominante. Um jornal disse, é verdade, que em uma única
localidade da América, cujo nome não me recordo, contaram-se quatro mil
casos de loucura espírita; mas sabe-se que, entre nossos adversários, é
uma idéia fixa crerem-se os únicos dotados de razão, e isso é uma
mania como as outras. Aos seus olhos nós somos todos dignos de um
manicômio e, por conseguinte, os quatro mil espíritas da localidade em
questão, deviam ser igualmente loucos. Nesse aspecto, os Estados Unidos
têm centenas de milhares deles, e todos os outros países do mundo, um
número bem maior. Esse mau gracejo começou a ser usado depois que se viu
esta loucura ganhar as classes mais elevadas da sociedade. Fez-se grande
alarde de um exemplo conhecido, de Victor Hennequin, esquecendo-se que,
antes de se ocupar com o Espiritismo, ele tinha já dado provas de
excentricidade das idéias. Se as mesas girantes não tivessem acontecido,
o que, segundo um jogo de palavras bem espirituoso de nossos
adversários, fizeram lhe girar a cabeça, sua loucura teria tomado outro
curso.
Eu digo, pois, que o Espiritismo não tem nenhum privilégio a esse
respeito; e vou mais longe: digo que, bem compreendido, é um
preservativo contra a loucura e o suicídio.
Entre as causas mais freqüentes de superexcitação cerebral, é preciso
contar as decepções, os desgostos, as afeições contrariadas, que são, ao
mesmo tempo, as causas mais freqüentes de suicídios. Ora, o verdadeiro
espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista tão elevado, que
as tribulações não são para ele senão os incidentes desagradáveis de uma
viagem. O que, em outro, produziria uma emoção violenta, o afeta
levemente. Ele sabe, aliás, que os sofrimentos da vida são provas que
servem para o seu adiantamento, se as suporta sem reclamar, porque será
recompensado de acordo com a coragem com a qual as tiver suportado. Suas
convicções lhe dão, pois, uma resignação que o preserva do desespero, e,
por conseguinte, de uma causa permanente de loucura e de suicídio. Por
outro lado, ele sabe, pelo que vê nas comunicações com os Espíritos, da
sorte deplorável daqueles que abreviam voluntariamente seus dias, e esse
quadro basta para fazê-lo refletir; por isso é considerável o número
daqueles que se detiveram sobre essa inclinação funesta. Eis aí um dos
resultados do Espiritismo.
Ao número das causas de loucura, é preciso ainda acrescentar o medo,
e o medo do diabo desarranjou mais de um cérebro. Sabe-se, acaso, o
número de vítimas que se fez amedrontando-se imaginações fracas com esse
quadro que se esforça em tornar mais assustador por detalhes hediondos?
O diabo, diz-se, não assusta senão as crianças e é um freio para
torná-las sábias; sim, como o bicho papão e o lobisomem, e quando elas
não têm mais medo, tornam-se piores que antes. E, para esse belo
resultado, não se conta o número de epilepsias causadas pela comoção de
um cérebro delicado.
É preciso não confundir a loucura patológica com a
obsessão. Esta não se origina de nenhuma lesão cerebral, mas da
subjugação que Espíritos malfazejos exercem sobre certos indivíduos, e
tem por vezes as aparências da loucura propriamente dita. Essa doença,
que é muito freqüente e independente de qualquer crença no Espiritismo,
existiu em todos os tempos. Nesse caso, a medicação ordinária é ineficaz
e mesmo nociva. O Espiritismo, fazendo conhecer esta nova causa de
perturbação da saúde, dá ao mesmo tempo o único meio de triunfar sobre
ela, agindo não sobre a doença, mas sobre o Espírito obsessor. Ele é o
remédio e não a causa do mal.
Visitante – Eu não entendo como o homem pode aproveitar a experiência
adquirida em suas existências anteriores, se delas não se lembra,
porque, desde o momento em que delas não se recorda, cada existência é
para ele como se fosse a primeira e, assim, tem sempre que recomeçar.
Suponhamos que, cada dia, ao despertarmos, percamos a memória do que
fizemos na véspera, nós não seríamos mais avançados aos setenta anos que
aos dez anos; enquanto que lembrando nossas faltas, nossas imperfeições
e as punições em que incorremos, diligenciaríamos para não recomeçarmos.
Para me servir da comparação que haveis feito do homem sobre a Terra com
o aluno do colégio, eu não compreenderia que esse aluno pudesse
aproveitar as lições da quarta série se ele não lembrasse do que
aprendeu na anterior. (1) Essas soluções de continuidade na vida do
Espírito interrompem todas as relações e fazem dele, de alguma sorte, um
novo ser; de onde se pode dizer que nossos pensamentos morrem a cada
existência, para se renascer sem consciência do que se foi. É uma
espécie de nada.
(1) No original: en Cinquième, a criação do curso escolar
devia obedecer a uma ordem numérica decrescente. (NOTA DO TRADUTOR.)
A.K. – De questão em questão me conduzireis a vos ministrar um curso
completo de Espiritismo. Todas as objeções que fizestes são naturais
naquele que nada sabe, ao passo que ele encontra, em um estudo sério,
uma solução bem mais explícita que a que eu possa dar numa explicação
sumária que, por si mesma, deve provocar, incessantemente, novas
questões. Tudo se encadeia no Espiritismo, e quando se segue o conjunto,
vê-se que os princípios decorrem uns dos outros, apoiando-se mutuamente.
Então, o que parecia uma anomalia contrária à justiça e à sabedoria de
Deus, parece muito natural e vem confirmar essa justiça e essa
sabedoria.
Tal é o problema do esquecimento do passado que se liga a outras
questões de igual importância e que, por isso, não farei mais que
aflorar aqui.
Se, a cada existência, um véu é lançado sobre o passado, o Espírito
não perde nada daquilo que adquiriu no passado: ele não esquece senão a
maneira pela qual adquiriu a experiência. Para me servir da comparação
do escolar, eu diria que: pouco importa para ele saber onde, como, e sob
a orientação de que professores ele fez o ano anterior se, alcançando a
quarta série ele sabe o que se aprende na anterior. Que lhe importa
saber quem o castigou pela sua preguiça e sua insubordinação, se esses
castigos o tornaram laborioso e dócil? É assim que, em se reencarnando,
o homem traz, por intuição e como idéias inatas, o que adquiriu em
ciência e moralidade. Eu digo em moralidade porque se, durante uma
existência, ele se melhorou, se aproveitou as lições das experiências,
quando retornar, será instintivamente melhor; seu Espírito amadurece na
escola do sofrimento e, pelo trabalho, terá mais firmeza; longe de dever
a tudo recomeçar, ele possui um fundo cada vez mais rico, sobre o qual
se apóia para progredir mais.
A segunda parte da vossa objeção, referente ao aniquilamento do
pensamento, não está melhor alicerçada, porque esse esquecimento não
ocorre senão durante a vida corporal; deixando-a, o Espírito recobra a
lembrança do seu passado e pode julgar quanto à sua caminhada e do que
lhe resta ainda a realizar, de sorte que não há solução de continuidade
na vida espiritual, que é a vida normal do Espírito.
O esquecimento temporário é um benefício da Providência. A
experiência, freqüentemente, é adquirida em rudes provas e terríveis
expiações, cuja lembrança seria muito penosa e viria aumentar as
angústias das tribulações da vida presente. Se os sofrimentos da vida
parecem longos, que seriam, pois, se sua duração fosse aumentada com as
lembranças dos sofrimentos do passado? Vós, por exemplo, senhor, sois
hoje um homem honesto, mas o deveis, talvez, aos rudes castigos que
haveis suportado por faltas que, atualmente, repugnariam a vossa
consciência; ser-vos-ia agradável lembrar de ter sido enforcado por
isso? A vergonha não vos perseguiria imaginando que o mundo sabe do mal
que haveis feito? Que importa o que haveis podido fazer, e o que haveis
podido suportar para expiar, se agora sois um homem estimável? Aos olhos
do mundo sois um homem novo, e aos olhos de Deus um Espírito
reabilitado. Livre da lembrança de um passado importuno, agireis com
mais liberdade; é para vós um novo ponto de partida; vossas dívidas
anteriores estão pagas, cabendo-vos não contrair novas dívidas.
Assim, quantos homens gostariam de poder, durante a vida, lançar um
véu sobre seus primeiros anos! Quantos disseram, ao fim de sua
caminhada: "Se devesse recomeçar, eu não faria o que fiz"! Pois bem!, o
que eles não podem refazer nesta vida, refarão em outra; em uma nova
existência seu Espírito trará, no estado de intuição, as boas resoluções
que eles terão tomado. É assim que se cumpre, gradualmente, o progresso
da Humanidade.
Suponhamos, ainda, – o que é um caso muito comum – que em vossas
relações, em vosso lar mesmo, se encontre um ser do qual tendes muitas
queixas, que talvez vos arruinou ou desonrou em uma outra existência e
que, Espírito arrependido, vem se encarnar em vosso meio, unir-se a vós
pelos laços de família, para reparar o mal que vos fez pelo seu
devotamento e sua afeição: ambos não estaríeis na mais falsa posição se,
todos os dois, vos lembrásseis de vossas inimizades? Ao invés de se
apaziguarem, os ódios se eternizariam.
Concluí com isso que a lembrança do passado perturbaria as relações
sociais e seria um entrave ao progresso. Quereis disso uma prova atual?
Que um homem condenado às galeras tome a firme resolução de se tornar
honesto; que ocorrerá em sua saída? Será repelido pela sociedade e essa
repulsa, quase sempre o recoloca no vício. Suponhamos, ao contrário, que
todo o mundo ignore seus antecedentes: ele será bem acolhido; se ele
próprio pudesse esquecê-los, não seria por isso menos honesto e poderia
andar de cabeça erguida ao invés de curvá-la sob a vergonha da
recordação.
Isso concorda perfeitamente com a doutrina dos Espíritos sobre os
mundos superiores ao nosso. Nesses mundos, onde não reina senão o bem, a
lembrança do passado nada tem de penosa; eis porque aí lembram-se de sua
existência precedente como nos lembramos do que fizemos na véspera.
Quanto à sua estada em mundos inferiores, ela não é mais que um sonho
mau.
Visitante – Eu convenho, senhor, que, do ponto de vista filosófico, a
Doutrina Espírita é perfeitamente racional. Mas, resta sempre a questão
das manifestações que não pode ser resolvida senão pelos fatos; ora, é a
realidade desses fatos que muitas pessoas contestam e não deveis achar
espantoso o desejo que se exprime de testemunhá-los.
A.K. – Acho isso muito natural; somente, como procuro que sejam
proveitosos, explico em que condições convém se colocar para melhor
observá-los e, sobretudo, para compreendê-los. Ora, aquele que não quer
se colocar nessas condições é porque não tem desejo sério de se
esclarecer e, então, é inútil perder-se tempo com ele.
Compreendereis também, senhor, que seria estranho que uma filosofia
racional tivesse saído de fatos ilusórios e controvertidos. Em boa
lógica, a realidade do efeito implica na realidade da causa; se um é
verdadeiro, o outro não pode ser falso, porque onde não houvesse árvore
não se recolheriam frutos.
Todo o mundo, é verdade, não pôde constatar os fatos, porque todo o
mundo não se colocou nas condições desejadas para os observar e, para
isso, não se armou da paciência e perseverança necessárias. Mas, ocorre
aqui como em todas as ciências: o que uns não fazem, outros o fazem:
todos os dias, aceita-se o resultado de cálculos astronômicos sem os ter
feito. Qualquer que ela seja, se achais uma filosofia boa, podereis
aceitá-la como aceitaríeis uma outra, reservando, porém, vossa opinião
sobre os caminhos e meios que a ela conduziram, ou, pelos menos, não
admitindo-a senão como hipótese até mais ampla constatação.
Os elementos de convicção não são os mesmos para todo o mundo; o que
convence a alguns, não causa nenhuma impressão sobre outros: por isso é
preciso um pouco de tudo. Mas, é um erro crer-se que as experiências
físicas sejam o único meio de convencer. Vi pessoas que os fenômenos
mais notáveis não puderam sacudir e para as quais uma simples resposta
escrita triunfou. Quando se vê um fato que não se compreende, quanto
mais ele é extraordinário, mais parece suspeito, e o pensamento nele
procura sempre uma causa vulgar. Se se o compreende, mais facilmente é
admitido porque tem uma razão de ser: o maravilhoso e o sobrenatural
desaparecem. Certamente, as explicações que vos acabo de dar nesta
entrevista estão longe de serem completas; mas, por mais sumárias que
sejam, estou persuadido de que vos levarão a refletir e, se as
circunstâncias vos testemunharem quaisquer fatos de manifestações, os
vereis com menos prevenção, porque podereis raciocinar com base.
Há duas coisas no Espiritismo: a parte experimental das manifestações
e a doutrina filosófica. Ora, todos os dias sou visitado por pessoas que
nada viram e crêem tão firmemente como eu apenas pelo estudo que fizeram
da parte filosófica; para elas o fenômeno das manifestações é acessório
e o fundo é a doutrina, a ciência. Elas a vêem grande, tão racional, que
nela encontram tudo o que pode satisfazer suas aspirações íntimas, sem o
fato das manifestações, de onde concluem que, supondo-se que as
manifestações não existissem, a doutrina não seria menos aquela que
resolve melhor uma multidão de problemas reputados insolúveis. Quantos
não disseram que essas idéias tinham germinado no seu cérebro, mas que
elas aí estavam confusas! O Espiritismo veio formulá-las, dar-lhes um
corpo, e foi para eles como um rasgo de luz. Isso explica o número de
adeptos que apenas a leitura de O Livro dos Espíritos fez.
Acreditais que ela estaria assim se não tivesse passado das mesas
girantes e falantes?
Visitante – Tendes razão em dizer, senhor, que das mesas girantes
saiu uma doutrina filosófica; e eu estava longe de supor as
conseqüências que poderiam surgir de uma coisa que se olhava como
simples objeto de curiosidade. Vejo agora quanto é vasto o campo aberto
pelo vosso sistema.
A.K. – Aqui eu vos detenho, senhor; me fazeis muita honra
atribuindo-me esse sistema, porque não me pertence. Ele foi inteiramente
deduzido do ensinamento dos Espíritos. Eu vi, observei, coordenei, e
procuro fazer os outros compreenderem o que eu próprio compreendo; eis
toda a parte que nele me cabe. Há entre o Espiritismo e os outros
sistemas filosóficos esta diferença capital: os últimos são obra de
homens mais ou menos esclarecidos, enquanto que naquele que vós me
atribuís não tenho o mérito de invenção de um único princípio. Diz-se: a
filosofia de Platão, de Descartes, de Leibnitz; não se dirá: a doutrina
de Allan Kardec, e isso é bom, pois que importância teria um nome em uma
tão grave questão? O Espiritismo tem auxiliares bem mais preponderantes,
perto dos quais não somos senão átomos.
Sociedade para a
continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec - Rua de Lille, 7
Visitante – Tendes uma sociedade que se ocupa desses estudos;
ser-me-ia possível fazer parte dela?
A.K. – Seguramente não, para o momento. Se para ser recebido não é
necessário ser doutor em Espiritismo, é preciso, ao menos, ter sobre
esse assunto idéias mais sólidas que as vossas. Como ela não quer ser
perturbada em seus estudos, não pode admitir aqueles que lhe viriam
fazer perder seu tempo com questões elementares, nem aqueles que, não
simpatizando com seus princípios e suas convicções, nela lançariam a
desordem com discussões intempestivas ou um espírito de contradição. É
uma sociedade científica, como tantas outras, que se ocupa em aprofundar
os diferentes princípios da ciência espírita, e que busca se esclarecer.
É o centro para onde convergem as informações de todas as partes do
mundo, e onde se elaboram e se coordenam as questões relacionadas com o
progresso da ciência; mas não é uma escola, nem um curso de ensinamentos
elementares. Mais tarde, quando vossas convicções estiverem formadas
pelo estudo, ela verá se poderá vos admitir. Até lá, podereis assistir,
quando muito, a uma ou duas sessões como ouvinte, com a condição de nela
não fazer nenhuma reflexão de natureza a magoar ninguém, sem o que, eu,
que aí vos terei introduzido, me exporei à censura da parte dos meus
colegas, e a porta da sociedade lhe será fechada para sempre. Vereis aí
uma reunião de homens graves e de boa companhia, cuja maioria se
recomenda pela superioridade do seu saber e sua posição social, e que
não permitiria que aqueles que ela quer admitir se afastem, no que quer
que seja, das conveniências; porque não creiais que ela convida o
público e que chama a qualquer um para as suas sessões. Como não faz
demonstrações, tendo em vista satisfazer a curiosidade, ela afasta com
cuidado os curiosos. Portanto, aqueles que crêem aí encontrar uma
distração, e uma espécie de espetáculo, ficariam desapontados e melhor
fariam se a ela não se apresentassem. Eis porque ela recusa admitir,
mesmo como simples ouvintes, aqueles que lhes são desconhecidos, ou
cujas disposições hostis são notórias.
Visitante – Eu vos peço uma última questão. O Espiritismo tem
inimigos poderosos; eles não poderiam interditar-lhe a atividade e as
sociedades, e por esse meio deter a sua propagação?
A.K. – Isso seria um meio de perder a disputa um pouco mais depressa,
porque a violência é o argumento daqueles que nada de bom têm a dizer.
Se o Espiritismo é uma quimera, ele cairá por si mesmo, sem que se dê a
esse trabalho; se o perseguem é porque o temem, e não se teme senão
aquilo que é sério. Se é uma realidade, ele está, como eu o disse, na
Natureza, e não se revoga uma lei da Natureza com uma penada.
Se as manifestações espíritas fossem o privilégio de um homem,
ninguém duvida que colocando esse homem de lado, põe-se fim às
manifestações. Infelizmente para os adversários, elas não são um
mistério para ninguém; nada há de secreto, nada de oculto, tudo se passa
em pleno dia; elas estão à disposição de todo o mundo, e a usam desde o
palácio à mansarda. Pode-se interditar-lhe o exercício público; mas
sabe-se precisamente que não é em público que elas se produzem melhor,
mas na intimidade. Ora, cada um podendo ser médium, quem pode impedir
uma família em seu lar, um indivíduo no silêncio do gabinete, o
prisioneiro sob os ferrolhos, de ter comunicações com os Espíritos, com
o desconhecimento e mesmo sob as barbas dos esbirros? Todavia, admitamos
que um governante fosse bastante forte para impedi-los, impediria seus
vizinhos, o mundo inteiro, uma vez que não há um só país, nos dois
continentes, onde não haja médiuns?
O Espiritismo, aliás, não tem sua origem entre os homens, pois é obra
dos Espíritos, aos quais não se os pode nem queimar, nem prender. Ele
repousa na crença individual e não nas sociedades, que de nenhum modo
são necessárias.
Se viessem a destruir todos os livros espíritas, os Espíritos os
ditariam de novo.
Em resumo, o Espiritismo é hoje um fato consumado; ele conquistou seu
lugar na opinião pública e entre as doutrinas filosóficas. É preciso,
pois, que aqueles aos quais não convém, disponham-se a vê-lo ao seu
lado, ficando perfeitamente livres para não aceitá-lo. |