Capítulo I
Pequena Conferência Espírita
Visitante – Falastes de meios de comunicação; poderíeis dar-me uma
idéia deles, porque é difícil compreender como esses seres invisíveis
podem conversar conosco?
A.K. – De bom grado; todavia, o farei ligeiramente porque isso
exigiria um desenvolvimento muito grande, que encontrareis notadamente
em O Livro dos Médiuns. Mas o pouco que vos direi bastará para
vos colocar a par do mecanismo e servirá, sobretudo, para compreenderdes
melhor algumas experiências às quais poderíeis assistir até vossa
iniciação completa.
A existência desse envoltório semi-material, ou perispírito, é já uma
chave que explica muitas coisas e mostra a possibilidade de certos
fenômenos. Quanto aos meios, eles são muito variados e dependem, seja da
natureza mais ou menos depurada dos Espíritos, seja das disposições
particulares às pessoas que lhes ser vem de intermediárias. O mais
vulgar, aquele que se pode dizer universal, consiste na intuição, quer
dizer, nas idéias e pensamentos que eles nos sugerem; mas esse meio é
muito pouco apreciável na generalidade dos casos. Há outros mais
materiais.
Certos Espíritos se comunicam por pancadas, respondendo por sim
ou por não, ou designando as letras que devem formar as palavras.
As pancadas podem ser obtidas pelo movimento basculante de um objeto,
uma mesa, por exemplo, que bate o pé. Freqüentemente, eles se fazem
ouvir na própria substância dos corpos, sem movimento destes. Esse modo
primitivo é demorado e dificilmente se presta ao desenvolvimento de
idéias de uma certa extensão. A escrita a substituiu, obtendo-se esta de
diferentes maneiras. Primeiro serviu-se, e algumas vezes se usa ainda,
de um objeto móvel, como uma pequena prancheta, uma cesta, uma caixa, à
qual se adapta um lápis cuja ponta repousa sobre o papel. A natureza e a
substância do objeto são indiferentes. O médium coloca as mãos sobre
esse objeto, transmitindo-lhe a influência que recebe do Espírito, e o
lápis traça os caracteres. Mas esse objeto não é, propriamente falando,
senão um apêndice da mão, uma espécie de porta-lápis. Reconheceu-se
depois a inutilidade desse intermediário, que é apenas uma complicação
do processo, cujo único mérito é de constatar, de uma maneira material,
a independência do médium, que pode escrever tomando ele próprio o
lápis.
Os Espíritos se manifestam ainda, e podem transmitir seus
pensamentos, por sons articulados que repercutem, seja no vago do ar,
seja no ouvido, pela voz do médium, pela vista, por desenhos, pela
música e por outros meios que um estudo completo faz conhecer. Os
médiuns têm, para esses diferentes meios, aptidões especiais que se
prendem ao seu organismo. Temos, assim, os médiuns de efeitos físicos,
quer dizer, os que estão aptos a produzir fenômenos materiais como as
pancadas, o movimento dos corpos, etc; os médiuns audientes, falantes,
videntes, desenhistas, musicistas, escreventes. Esta última faculdade é
a mais comum e se desenvolve pelo exercício; é também a mais preciosa,
pois é a que permite comunicações mais freqüentes e mais rápidas.
O médium escrevente apresenta numerosas variedades, das quais duas
muito distintas. Para entendê-las é preciso inteirar-se da maneira pela
qual se opera o fenômeno. O Espírito, algumas vezes, age diretamente
sobre a mão do médium à qual imprime um impulso, independentemente da
sua vontade, e sem que este tenha consciência do que escreve: é o
médium escrevente mecânico. Outras vezes o Espírito age sobre o
cérebro; seu pensamento atravessa o do médium que, então, embora
escrevendo de uma maneira involuntária, tem uma consciência mais ou
menos nítida do que obtém; é o médium intuitivo. Seu papel é
exatamente o de um intérprete que transmite um pensamento que não é o
seu e que, todavia, deve compreender. Ainda que, neste caso, o
pensamento do Espírito e o do médium se confundam algumas vezes, a
experiência ensina a distingui-los facilmente. Obtêm-se, igualmente,
boas comunicações por esses dois gêneros de médiuns; a vantagem dos que
são mecânicos é, sobretudo, para as pessoas que ainda não estão
convencidas. De resto, a qualidade essencial de um médium está na
natureza dos Espíritos que o assistem e nas comunicações que ele recebe,
bem mais que nos meios de execução.
Visitante – O procedimento me parece dos mais simples. Ser-me-ia
possível experimentá-lo eu mesmo?
A.K. Perfeitamente; eu digo mesmo que se estiverdes dotado da
faculdade medianímica, esse seria o melhor meio de vos convencer, porque
não poderíeis duvidar de vossa boa-fé. Só que vos exorto vivamente a não
tentar nenhum ensaio antes de ter estudado com atenção. As comunicações
de além-túmulo estão cercadas de mais dificuldades do que se pensa; elas
não estão isentas de inconvenientes, e mesmo de perigo, para aqueles a
quem falta a experiência necessária. Ocorre aqui como ao que quisesse
fazer manipulações químicas sem saber química: correria o risco de
queimar os dedos.
Visitante – Há algum indício pelo qual se possa reconhecer essa
aptidão?
A.K. – Até o presente não se conhece nenhum diagnóstico para a
mediunidade; todos os que se acreditou reconhecer, não têm nenhum valor.
Ensaiar é o único meio de saber se se é dotado. De resto, os médiuns são
muito numerosos e é muito raro que, quando não o sejamos, que não
encontremos entre os membros da família e das pessoas que nos cercam. O
sexo, a idade e o temperamento são indiferentes; são encontrados entre
os homens e entre as mulheres, as crianças e os velhos, as pessoas que
se portam bem e as que estão doentes.
Se a mediunidade se traduzisse por um sinal exterior qualquer, isso
implicaria na permanência da faculdade, ao passo que ela é
essencialmente móvel e fugidia. Sua causa física está na assimilação,
mais ou menos fácil, dos fluidos perispirituais do encarnado e do
Espírito desencarnado. Sua causa moral está na vontade do Espírito que
se comunica quando isso lhe apraz, e não na nossa vontade, do que
resulta, em primeiro lugar, que todos os Espíritos não podem se
comunicar indiferentemente por todos os médiuns e, em segundo lugar, que
todo médium pode perder ou ter suspensa sua faculdade no momento em que
menos o espera. Essas poucas palavras bastam para vos mostrar que há
todo um estudo a fazer para poder se inteirar das variações que esse
fenômeno apresenta.
Seria, pois, um erro crer-se que todo Espírito pode atender ao apelo
que lhe é feito e se comunicar pelo primeiro médium que encontra. Para
que um Espírito se comunique, é preciso primeiro que lhe convenha
fazê-lo; em segundo lugar, que sua posição ou suas ocupações lhe
permitam; em terceiro lugar, que ele encontre no médium um instrumento
propício, apropriado à sua natureza.
Em princípio, pode-se comunicar com os Espíritos de todas as ordens,
com seus parentes e seus amigos, com os Espíritos mais elevados, como
com os mais vulgares. Mas, independentemente das condições individuais
de possibilidade, eles vêm mais ou menos voluntariamente segundo as
circunstâncias e, sobretudo, em razão de sua simpatia pelas
pessoas que os chamam, e não pela requisição da primeira pessoa que
tenha a fantasia de os evocar por um sentimento de curiosidade; em caso
semelhante eles não se importariam quando vivos e não o fazem mais
depois da sua morte.
Os Espíritos sérios não vêm senão nas reuniões sérias, onde são
chamados com recolhimento e por motivos sérios. Eles não se
prestam a nenhuma questão de curiosidade, de prova, ou tendo um objetivo
fútil, nem a nenhuma experiência.
Os Espíritos levianos vão por toda parte; mas nas reuniões sérias se
calam e se afastam para escutar, como o faria um escolar em uma douta
assembléia. Nas reuniões frívolas eles se divertem, distraem-se com tudo
e, freqüentemente, zombam dos assistentes, e respondem a todos sem se
inquietarem com a verdade.
Os Espíritos ditos batedores, e geralmente todos aqueles que produzem
manifestações físicas, são de uma ordem inferior, sem, por isso, serem
essencialmente maus; eles têm uma aptidão de alguma sorte especial para
os efeitos materiais. Os Espíritos superiores não se ocupam mais dessas
coisas que nossos sábios de fazerem exibição de força; se disso têm
necessidade, servem-se desses Espíritos de ordem inferior, como nós nos
servimos de serviçais para o trabalho pesado.
Visitante – Antes de se entregarem a um estudo de fôlego, certas
pessoas gostariam de ter a certeza de não perderem seu tempo, certeza
que lhes daria um fato concludente, mesmo obtido ao preço do dinheiro.
A.K. – Naquele que não quer se dar ao trabalho de estudar, há mais de
curiosidade que desejo real de se instruir. Ora, os Espíritos não gostam
mais de curiosos que eu próprio. Aliás, a cupidez lhes é, sobretudo,
antipática, e eles não se prestam a nada que possa satisfazê-la. Seria
preciso ter deles uma idéia bem errada para crer que os Espíritos
superiores, como Fénelon, Bossuet, Pascal, Santo Agostinho, por exemplo,
se colocassem às ordens do primeiro que os solicitasse, a tanto por
hora. Não, senhor, as comunicações de além-túmulo são uma coisa muito
grave, e exigem muito respeito, para servirem de exibição.
Aliás, sabemos que os fenômenos espíritas não se desenrolam como as
engrenagens de um mecanismo, uma vez que dependem da vontade dos
Espíritos. Mesmo admitindo-se a aptidão medianímica, ninguém pode
responsabilizar-se de os obter em tal momento dado.
Se os incrédulos são levados a suspeitarem da boa-fé dos médiuns em
geral, seria bem pior se estes tivessem um estimulante interesse;
poder-se-ia suspeitar, com todo direito, que o médium retribuiria com
simulação, porque ele precisaria, antes de tudo, ganhar seu dinheiro.
Não somente o desinteresse absoluto é a melhor garantia de
sinceridade, como repugnaria à razão evocar a peso de ouro os Espíritos
de pessoas que nos são caras, supondo que eles a isso consentissem, o
que é mais que duvidoso. Não haveria, em todos os casos, senão Espíritos
inferiores, pouco escrupulosos quanto aos meios, e que não mereceriam
nenhuma confiança. Estes mesmos, ainda, freqüentemente, agem com um
prazer maldoso, frustrando as combinações e os cálculos dos seus
evocadores.
A natureza da faculdade mediúnica se opõe, pois, a que ela se torne
uma profissão, uma vez que depende de uma vontade estranha ao médium, e
ela poderia faltar-lhe no momento que dela tivesse necessidade, a menos
que ele a supra pela agilidade. Mas, em se admitindo mesmo uma inteira
boa-fé, desde que os fenômenos não se obtêm à vontade, seria um efeito
do acaso se, na sessão que se tivesse pago, se produzisse precisamente
aquilo que se desejaria para se convencer. Daríeis cem mil francos a um
médium e não o faríeis obter dos Espíritos o que estes não quisessem
fazer. Essa paga, que desnaturaria a intenção e a transformaria em um
violento desejo de lucro, seria mesmo, ao contrário, um motivo para que
ele não tivesse sucesso. Se se está bem compenetrado dessa verdade, que
a afeição e a simpatia são as mais poderosas motivações de atração dos
Espíritos, compreender-se-ia que eles não podem ser solicitados com o
pensamento de os usarem para ganhar dinheiro.
Aquele, pois, que tem necessidade de fatos para se convencer, deve
provar aos Espíritos sua boa vontade por uma observação séria e
paciente, se quer por eles ser secundado. Mas, se é verdadeiro que a fé
não se impõe, não o é menos dizer-se que ela não se compra.
Visitante – Eu compreendo esse raciocínio sob o ponto de vista moral;
entretanto, não é justo que aquele que dá seu tempo no interesse de seu
ideal, dele seja indenizado, se isso o impede de trabalhar para viver?
A.K. – Em primeiro lugar, é no interesse da causa que ele o faz ou é
no seu próprio interesse? Se mudou sua posição, é que não estava
satisfeito e que esperava ganhar mais ou ter menos trabalho nesse novo
ofício. Não há nenhum devotamento em dar seu tempo quando é para dele
tirar proveito. É como se se dissesse que o padeiro fabrica o pão no
interesse da Humanidade. A mediunidade não é o único recurso; sem ela
eles seriam obrigados a ganharem a vida de outra maneira. Os médiuns
verdadeiramente sérios e devotados, quando não têm uma existência
independente, procuram os meios de vida em seu trabalho normal, e não
mudam sua posição. Eles não consagram à mediunidade senão o tempo que
podem dar-lhe sem prejuízo e se o tomam do seu lazer ou do seu repouso,
espontaneamente, então são devotados e se os estima e respeita mais por
isso.
A multiplicidade de médiuns nas famílias, aliás, torna os médiuns
profissionais inúteis, mesmo supondo-se que eles oferecem todas as
garantias desejáveis, o que é muito raro. Sem o descrédito que se
atribui a esse gênero de exploração, do qual me felicito de ter
contribuído grandemente, ver-se-ia pulularem os médiuns mercenários e os
jornais se cobrirem dos seus anúncios. Ora, para um que tivesse podido
ser leal, haveria cem charlatães que, abusando de uma faculdade real ou
simulada, teriam feito o maior mal ao Espiritismo. É, pois, como
princípio que todos aqueles que vêem no Espiritismo alguma coisa além de
exibição de fenômenos curiosos, que compreendem e estimam a dignidade, a
consideração e os verdadeiros interesses da doutrina, reprovam toda
espécie de especulação, sob qualquer forma ou disfarce que ela se
apresente. Os médiuns sérios e sinceros, e eu dou esse nome àqueles que
compreendem a santidade do mandato que Deus lhes confiou, evitam até na
aparência o que poderia fazer pairar sobre eles a menor suspeita de
cupidez. A acusação de tirar um proveito qualquer de sua faculdade,
seria para eles uma injúria.
Concordai, senhor, inteiramente incrédulo que sois, que um médium
nessas condições faria sobre vós uma outra impressão se tivésseis pago
vosso lugar para vê-lo operar, ou mesmo que tivésseis obtido uma entrada
de favor, se sabíeis que havia em tudo isso uma questão de dinheiro.
Concordai que, vendo o médium animado de um verdadeiro sentimento
religioso, estimulado só pela fé e não pelo desejo de ganho,
involuntariamente ele se imporia ao vosso respeito, fosse ele o mais
humilde proletário, e vos inspiraria mais confiança, porque não teríeis
nenhum motivo para suspeitar de sua lealdade. Pois bem, senhor,
encontrareis nestas condições mil por um, e é isso uma das causas que
contribuíram poderosamente para o crédito e a propagação da doutrina,
enquanto que se ela não tivesse tido senão intérpretes interesseiros,
ela não contaria hoje a quarta parte dos adeptos que tem.
Compreende-se muito bem que os médiuns profissionais são raríssimos,
pelo menos na França; que são desconhecidos na maioria dos centros
espíritas do país, onde a reputação dos mercenários bastaria para os
excluir de todos os grupos sérios, e onde, para eles, o ofício não seria
lucrativo, em razão do descrédito de que seriam objeto e da concorrência
de médiuns desinteressados que se encontram por toda parte. Para suprir,
seja a faculdade que lhe falta, seja a insuficiência da clientela, há
supostos médiuns que usam o jogo de cartas, a clara de ovo, a borra de
café, etc., a fim de satisfazer todos os gostos, esperando por esses
meios, na falta dos Espíritos, atrair aqueles que ainda crêem nessas
tolices. Se eles não fizessem mal senão a si mesmos, o mal seria
insignificante; contudo, há pessoas que, sem ir mais longe, confundem o
abuso com a realidade e depois os mal intencionados delas se aproveitam
para dizer que nisso consiste o Espiritismo. Vede, pois, senhor, que a
exploração da mediunidade conduzindo aos abusos prejudiciais à doutrina,
o Espiritismo sério tem razão de a condenar e de a repudiar como
auxiliar.
Visitante – Tudo isso é muito lógico, eu convenho, mas os médiuns
desinteressados não estão à disposição dos que os buscam, e não é justo
desviá-los do seu trabalho, enquanto que não se teria escrúpulos de
procurar aqueles que se fazem pagar, porque se sabe não fazê-los perder
seu tempo. Se houvesse médiuns públicos, seria mais fácil para as
pessoas que querem se convencer.
A.K. – Mas se os médiuns públicos, como os chamais, não oferecem as
garantias desejadas, que utilidade podem ter para a convicção? O
inconveniente que assinalais não destrói aqueles bem mais graves a que
me referi. Ir-se-ia até eles mais por divertimento ou para tirar a
sorte, que para se instruir. Aquele que quer, seriamente, se convencer
encontra, cedo ou tarde, os meios para isso, se tem perseverança e boa
vontade. Mas não é porque assistiu a uma sessão que se convencerá, se
para isso não está preparado. Se ela lhe dá uma impressão desfavorável,
ficará pior que antes e talvez desanimado de continuar um estudo no qual
nada viu de sério; isso é o que prova a experiência.
Mas ao lado das considerações morais, os progressos da ciência
espírita nos mostram hoje uma dificuldade material, que não supusemos no
início, fazendo-nos conhecer melhor as condições sob as quais se
produzem as manifestações. Essa dificuldade diz respeito às afinidades
fluídicas que devem existir entre o Espírito evocado e o médium.
Coloco de lado todo pensamento de fraude e de mistificação e suponho
a mais completa lealdade. Para que um médium profissional pudesse
oferecer toda segurança às pessoas que viessem a consultá-lo, seria
preciso que ele possuísse uma faculdade permanente e universal, quer
dizer, que pudesse se comunicar facilmente com todos os Espíritos e a
qualquer momento, para estar constantemente à disposição do público,
como um médico, e satisfazer a todas as evocações que lhe fossem
pedidas. Ora, isso não ocorre com nenhum médium, não mais nos
desinteressados que nos outros, e isso por causas independentes da
vontade do Espírito, mas que não posso desenvolver aqui porque não vos
estou dando um curso de Espiritismo. Eu me limitarei a dizer que as
afinidades fluídicas, que são o próprio princípio das faculdades
mediúnicas, são individuais e não gerais, e que podem existir do
médium para tal Espírito e não a tal outro; que sem essas afinidades,
cujas nuances são muito diversificadas, as comunicações são incompletas,
falsas ou impossíveis; que, o mais freqüentemente, a assimilação
fluídica entre o Espírito e o médium não se estabelece senão com o
tempo, é que não ocorre, uma vez em dez, que ela seja completa
desde a primeira vez. Como vedes, senhor, a mediunidade está subordinada
a leis, de alguma sorte orgânicas, às quais todo médium está sujeito.
Ora, não se pode negar que isso não seja um escolho para a mediunidade
profissional, uma vez que a possibilidade e a exatidão das comunicações
prendem-se a causas independentes do médium e do Espírito (ver adiante
cap. II, parágrafo Dos Médiuns).
Se, pois, repelimos a exploração da mediunidade, não é nem por
capricho nem por espírito de sistema, mas porque os próprios princípios
que regem as comunicações com o mundo invisível se opõem à regularidade
e à precisão necessárias para aquele que se coloca à disposição do
público, e que o desejo de satisfazer a uma clientela pagante conduz ao
abuso. Disso não concluo que todos os médiuns interesseiros são
charlatães, mas digo que o interesse de ganho conduz ao charlatanismo e
autoriza a suposição de fraude se não a justifica. Aquele que quer se
convencer deve, antes de tudo, procurar os elementos de sinceridade.
Visitante – Desde o instante em que a mediunidade consiste em se
colocar em comunicação com as forças ocultas, parece-me que médiuns e
feiticeiros são mais ou menos sinônimos.
A.K. – Houve em todas as épocas médiuns naturais e inconscientes que,
só porque produziam fenômenos insólitos e incompreendidos, foram
qualificados de feiticeiros e acusados de pactuarem com o diabo. Ocorreu
o mesmo com a maioria dos sábios que possuíam conhecimentos acima do
vulgar. A ignorância exagerou seu poder e, eles mesmos, freqüentemente,
abusaram da credulidade pública, explorando-a; daí a justa reprovação de
que foram objeto. Basta comparar o poder atribuído aos feiticeiros e a
faculdade dos verdadeiros médiuns, para estabelecer-lhes a diferença,
mas a maioria dos críticos não se dão a esse trabalho. O Espiritismo,
longe de ressuscitar a feitiçaria, a destruiu para sempre, despojando-a
do seu pretenso poder sobrenatural, de suas fórmulas, de seus livros de
magia, amuletos e talismãs, reduzindo os fenômenos possíveis ao seu
justo valor, sem sair das leis naturais.
A semelhança que certas pessoas pretendem estabelecer, provém do erro
em que se encontram, de que os Espíritos estão às ordens dos médiuns;
repugna à sua razão crer que possa depender de alguém, fazer vir à sua
vontade e chamado, o Espírito de tal ou tal personagem mais ou menos
ilustre; nisso estão perfeitamente com a verdade, e se, antes de atirar
pedra ao Espiritismo, tivessem se dado ao trabalho de dele se inteirar,
saberiam que ele diz positivamente que os Espíritos não estão ao
capricho de ninguém, e que ninguém pode, à vontade, fazê-los vir a
contragosto; do que se segue que os médiuns não são feiticeiros.
Visitante – Desse modo, todos os efeitos que certos médiuns
acreditados obtêm, à vontade e em público, não seriam, segundo vós,
senão hipocrisia?
A.K. – Eu não o digo de um modo absoluto. Tais fenômenos não são
impossíveis porque há Espíritos inferiores que podem se prestar a essas
espécies de coisas, e que nelas se divertem, talvez tendo já feito, em
suas vidas, o trabalho dos prestidigitadores, e também médiuns
especialmente propensos a esse gênero de manifestações. Mas, o mais
vulgar bom senso repele a idéia de que os Espíritos, embora pouco
elevados, venham fazer exibições para divertir os curiosos.
A obtenção desses fenômenos à vontade e, sobretudo, em público, é
sempre suspeita; nesse caso, a mediunidade e a prestidigitação se tocam
tão de perto que, freqüentemente, é bem difícil distingui-las. Antes de
ver nisso a ação dos Espíritos, é preciso minuciosas observações, e
levar em conta seja o caráter e os antecedentes do médium, seja de uma
multidão de circunstâncias, que só um estudo aprofundado da teoria dos
fenômenos espíritas pode levar a apreciar. Anote-se que esse gênero de
mediunidade, quando mediunidade há, é limitado à produção do mesmo
fenômeno, com algumas variantes, o que não é de natureza a dissipar as
dúvidas. Um desinteresse absoluto seria aí a melhor garantia de
sinceridade.
Qualquer que seja a realidade desses fenômenos, como efeitos
medianímicos, eles têm como bom resultado dar notoriedade à idéia
espírita. A controvérsia que se estabelece a esse propósito provoca, em
muitas, pessoas, um estudo mais aprofundado. Não é certo que é
necessário ir buscar aí instruções sérias de Espiritismo, nem a
filosofia da doutrina, mas é um meio de forçar a atenção dos
indiferentes e obrigar os mais recalcitrantes a falarem deles.
Visitante – Falais de Espíritos bons ou maus, sérios ou levianos; eu
não me explico, confesso, essa diferença. Parece-me que, deixando seu
envoltório corporal, eles devem se despojar das imperfeições inerentes à
matéria; que a luz deve se fazer para eles sobre todas as verdades que
nos são ocultas e que eles devem estar isentos dos preconceitos
terrestres.
A.K. – Sem dúvida, eles estão livres das imperfeições físicas, quer
dizer, das doenças e enfermidades do corpo; mas as imperfeições morais
são do Espírito e não do corpo. Entre eles há os que estão mais ou menos
avançados intelectual e moralmente. Seria um erro crer-se que os
Espíritos, deixando seu corpo material, são subitamente atingidos pela
luz da verdade. Credes, por exemplo, que quando morrerdes não haverá
nenhuma diferença entre vosso Espírito e o de um selvagem ou o de um
malfeitor? Se fora assim, de que vos serviria ter trabalhado pela vossa
instrução e aprimoramento, uma vez que um vadio seria tanto quanto vós
depois da morte? O progresso dos Espíritos não se realiza senão
gradualmente e, algumas vezes, bem lentamente. Entre eles, e isso
depende da sua depuração, há os que vêem as coisas sob um ponto de vista
mais justo que em sua vida física; outros, ao contrário, têm as mesmas
paixões, os mesmos preconceitos e os mesmos erros, até que o tempo e
novas provas lhes tenham permitido se esclarecerem. Notai bem que isto é
um resultado da experiência, porque é assim que eles se apresentam a nós
em suas comunicações. É, pois, um princípio elementar do Espiritismo
que, entre os Espíritos, há os de todos os graus de inteligência e de
moralidade.
Visitante – Mas, então, por que os Espíritos não são todos perfeitos?
Deus, pois, os criou de todas as categorias.
A.K. – Igualmente gostaria de perguntar por que todos os alunos de um
colégio não estão em filosofia. Os Espíritos têm, todos, a mesma origem
e a mesma destinação. As diferenças que existem entre eles não
constituem espécie distinta, mas diversos graus de adiantamento. Os
Espíritos não são perfeitos porque são as almas dos homens e os homens
não são perfeitos; pela mesma razão os homens não são perfeitos porque
são a encarnação de Espíritos mais ou menos avançados. O mundo corporal
e o mundo espiritual se derramam incessantemente um sobre o outro; pela
morte do corpo, o mundo corporal fornece seu contingente ao mundo
espiritual e, pelo nascimento, o mundo espiritual alimenta a Humanidade.
A cada nova existência, o Espírito realiza um progresso mais ou menos
grande, e quando adquire sobre a Terra a soma de conhecimentos e
elevação moral que comporta nosso globo, ele o troca para passar a um
mundo mais elevado, onde aprende coisas novas.
Os Espíritos que formam a população invisível da Terra são, de alguma
sorte, o reflexo do mundo corporal; encontram-se aí os mesmos vícios e
as mesmas virtudes. Há entre eles sábios, ignorantes e falsos sábios,
prudentes e estouvados, filósofos, raciocinadores e sistemáticos. Não se
tendo desfeito de todos os seus
preconceitos, todas as opiniões políticas e religiosas têm aí seus
representantes. Cada um fala segundo as suas idéias e o que dizem,
freqüentemente, não é senão sua opinião pessoal. Eis porque não é
preciso acreditar cegamente em tudo o que dizem os Espíritos.
Visitante – Se assim é, eu percebo uma grande dificuldade. Nesse
conflito de opiniões diversas, como distinguir o erro da verdade? Eu não
vejo que os Espíritos nos sirvam para grande coisa e tenhamos a ganhar
com sua conversação.
A.K. – Não servissem os Espíritos senão para nos ensinar que há
Espíritos e que esses Espíritos são as almas dos homens, não seriam de
uma grande importância para todos aqueles que duvidam que têm uma alma e
que não sabem em que se tornarão depois da morte?
Como todas as ciências filosóficas, esta exige longos estudos e
minuciosas observações; é então que se aprende a distinguir a verdade da
impostura, e os meios de afastar os Espíritos mentirosos. Acima dessa
turba de Espíritos inferiores, há os Espíritos superiores que não têm em
vista senão o bem e que têm por missão conduzir os homens ao bom
caminho. Cabe a nós saber apreciá-los e compreendê-los. Estes nos
ensinam grandes coisas, mas, não credes que o estudo dos outros seja
inútil; para conhecer um povo é preciso examiná-lo sob todas as suas
faces. Disso vós mesmos sois a prova; pensáveis que bastaria aos
Espíritos deixarem seu envoltório corporal para se despojarem de suas
imperfeições. Ora, foram as comunicações com eles que nos ensinaram o
contrário, e nos fizeram conhecer o verdadeiro estado do mundo
espiritual, que nos interessa a todos no mais alto grau, uma vez que
para lá devemos ir. Quanto aos erros que podem nascer da divergência de
opinião entre os Espíritos, por si mesmos desaparecem, à medida que se
aprende a distinguir os bons dos maus, os sábios dos ignorantes, os
sinceros dos hipócritas, da mesma forma como entre nós; então o bom
senso faz justiça às falsas doutrinas.
Visitante – Minha observação subsiste sempre no ponto de vista das
questões científicas e outras a que se pode submeter os Espíritos. A
divergência de suas opiniões sobre as teorias que dividem os sábios, nos
deixam na incerteza. Eu compreendo que, não tendo todos o mesmo grau de
instrução, não podem tudo saber. Então, qual o peso que pode ter para
nós a opinião daqueles que sabem, se não podemos verificar se têm, ou
não têm, razão? Tem igual valor dirigir-se aos homens ou aos Espíritos.
A.K. – Essa reflexão é ainda uma conseqüência da ignorância do
verdadeiro caráter do Espiritismo. Aquele que crê nele encontrar um meio
fácil de tudo saber, de tudo descobrir, incorre em um grande erro. Os
Espíritos não estão encarregados de nos trazerem a ciência pronta.
Seria, com efeito, muito cômodo se nos bastasse perguntar para sermos
esclarecidos, poupando-nos assim o trabalho de pesquisa. Deus quer que
trabalhemos, que nosso pensamento se exercite, e será a esse preço que
adquiriremos a ciência. Os Espíritos não vêm nos livrar dessa
necessidade; eles são o que são e o Espiritismo tem por objeto
estudá-los, a fim de saber, por analogia, o que seremos um dia e não
de nos fazer conhecer o que nos deve estar oculto, ou nos revelar as
coisas antes do tempo.
Os Espíritos já não podem ser tidos como ledores de sorte, e quem
quer que se iluda de obter deles certos segredos, que se prepare para
estranhas decepções por parte dos Espíritos zombeteiros. Em uma palavra,
o Espiritismo é uma ciência de observação e não uma ciência de
adivinhação ou de especulação. Estudamo-lo para conhecer o estado
das individualidades do mundo invisível, as relações que existem entre
elas e nós, sua ação oculta sobre o mundo visível, e não pela utilidade
material que dele possamos tirar. Sob esse ponto de vista, não há nenhum
Espírito cujo estudo nos seja inútil, pois aprendemos alguma coisa com
todos eles; suas imperfeições, seus defeitos, sua incapacidade, e mesmo
sua ignorância, são igualmente objetos de observação que nos iniciam no
estudo da natureza íntima desse mundo. Quando não são eles que nos
instruem pelos seus ensinamentos, somos nós que nos instruímos
estudando-os, como o fazemos quando estudamos os costumes de um povo que
desconhecemos. Quanto aos Espíritos esclarecidos, eles nos ensinam
muito, mas no limites das coisas possíveis, não precisando
perguntar-lhes o que eles não podem, ou não devem, nos revelar. É
preciso contentar-se com aquilo que nos dizem, pois, ir além é expor-se
às mistificações dos Espíritos levianos, sempre prontos para responderem
a tudo. A experiência nos ensina a discernir o grau de confiança que
lhes podemos dar.
Visitante – Partindo da suposição de que a coisa seja constatada e o
Espiritismo reconhecido como realidade, que utilidade prática isso pode
ter? Se, até o presente, se passou sem ele, parece-me que se poderia,
ainda, passar sem ele e viver mais tranqüilamente.
A.K. – O mesmo se poderia dizer das estradas de ferro e do vapor, sem
as quais viveu-se muito bem.
Se entendeis por utilidade prática, os meios de viver bem, de fazer
fortuna, de conhecer o futuro, de descobrir minas de carvão ou tesouros
ocultos, de recuperar heranças, de se poupar do trabalho das pesquisas,
ele não serve para nada; ele não pode fazer subir nem abaixar a cotação
da Bolsa, nem ser transformado em ações, nem mesmo fornecer invenções
prontas, aptas a serem exploradas. Sob esse ponto de vista, quantas
ciências seriam inúteis! Quantas há que não trazem vantagem,
comercialmente falando! Os homens se portavam muito bem antes da
descoberta de todos os novos planetas, antes que se soubesse que é a
Terra que gira e não o Sol, antes que fossem calculados os eclipses,
antes que se conhecesse o mundo miscroscópico e uma centena de outras
coisas. O camponês, para viver e produzir seu trigo, não tinha
necessidade de saber o que é um cometa. Por que, pois, os sábios se
entregam a essas pesquisas, e quem ousaria dizer que perdem seu tempo?
Tudo o que serve para erguer um canto do véu, ajuda o desenvolvimento da
inteligência, alarga o círculo das idéias fazendo-nos penetrar mais além
nas leis da Natureza. Ora, o mundo dos Espíritos existe em virtude de
uma dessas leis da Natureza e o Espiritismo nos faz conhecê-la. Ele nos
ensina a influência que o mundo invisível exerce sobre o mundo visível,
e as relações que existem entre eles, da mesma forma que a Astronomia
nos ensina as relações dos astros com a Terra; ele nô-lo mostra como uma
das forças que regem o Universo e contribuem para a manutenção da
harmonia geral. Suponhamos que a isso se limite sua utilidade; já não
seria muito útil a revelação de semelhante força, abstração feita de
toda doutrina moral? Não é nada, pois, que todo um mundo novo se nos
revele, se, sobretudo, o conhecimento desse mundo nos coloca na trilha
de uma multidão de problemas, até então, insolúveis? se nos inicia nos
mistérios de além-túmulo, que nos interessa um pouco, uma vez que todos,
pelo que somos, devemos cedo ou tarde transpor o passo fatal? Mas há uma
outra utilidade mais positiva do Espiritismo, que é a influência moral
que ele exerce pela própria força das coisas. O Espiritismo é a prova
patente da existência da alma, da sua individualidade depois da morte,
da sua imortalidade e do seu futuro. É, pois, a destruição do
materialismo, não pelo raciocínio, mas pelos fatos.
Não é preciso perguntar ao Espiritismo o que ele pode dar, e nem nele
procurar além do seu objetivo providencial. Antes dos progressos sérios
da Astronomia, acreditava-se na Astrologia. Seria razoável pretender que
a Astronomia de nada serve porque não se pode mais encontrar na
influência dos astros o prognóstico do futuro? Da mesma forma que a
Astronomia destronou os
astrólogos, o Espiritismo destronou os adivinhos, os feiticeiros e os
ledores de sorte. Ele é para a magia o que a Astronomia é para a
Astrologia, a Química para a Alquimia. |